• Quarta-feira , 9 Outubro 2024

A diplomacia económica num mundo multicêntrico

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por JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES

Na sua conceção tradicional a diplomacia consiste na condução das relações entre os Estados soberanos e outras entidades, feita por representantes oficiais e através de meios pacíficos (Bayne e Woolcock, 2007). Esta formulação é essencialmente herdeira do sistema diplomático italiano de cidades-estado do Renascimento. O modelo generalizou-se na Europa a partir do século XVII, surgindo, nessa altura, em França, a ideia de um corpo diplomático dependente da ação centralizada de um ministério dos negócios estrangeiros. Mais tarde, a partir de meados do século XIX, pela influência europeia, este modelo tornou-se mundial. Esta genealogia da diplomacia, diretamente ligada à experiência europeia e ocidental, enraizou a ideia de se tratar de um elemento intrínseco à soberania estadual e uma expressão desta no plano externo (Lee e Hudson, 2004). Assim, o núcleo duro da atividade diplomática centrar-se-à nas questões políticas, estratégicas e militares do Estado soberano. O livro Diplomacia (1994), da autoria do ex-Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, é claramente exemplificativo desta visão clássica. As suas quase novecentas páginas, cobrindo um período entre o século XVII e finais do século XX, são completamente dedicadas a assuntos político-estratégico-militares, centrados no passado europeu e ocidental. Richelieu, Metternich, Bismarck, Estaline e Churchill, entre outros, são personagens incontornáveis desta diplomacia clássica. Nela, as questões económicas e comerciais apenas ocupavam, ou pareciam ocupar pela forma como tipicamente é descrita e teorizada a atividade, um papel secundário e incidental. Todavia, esta preferência pela descrição e teorização da diplomacia como centrada em questões de high politics – estratégia de Estado, mediação em conflitos internacionais e guerras, negociações de tratados de paz, etc. – mesmo de um ponto de vista histórico não deixa de ser algo equívoca[1]. A atividade diplomática sempre foi multidimensional e as questões económicas e comerciais nunca estiverem afastadas desta (Lee e Hudson, 2004). A sua quase ausência na teorização clássica das relações internacionais e as relativamente escassas referências nas descrições da atividade, feitas por diplomatas, deve-se, pelo menos em parte, ao referido estatuto mais prestigiante das atividades de high politics. A isto acresce o provável enraizamento, dentro do próprio corpo diplomático, de um certo menosprezo pelas tarefas económicas e comerciais. Estas tendiam a ser vistas como menos relevantes e talvez, também, como pouco estimulantes – por isso, deviam ser deixadas para os serviços consulares. A este facto não será estranha a origem aristocrática de muitos dos que integravam a carreira diplomática e moldaram fortemente as suas práticas.

Todavia, nas últimas décadas, o mundo sofreu significativas modificações que acentuaram o peso dos aspetos económicos e comerciais na vida dos Estados e sociedades. Estas transformações passaram também a afetar o estilo e conteúdo da diplomacia, num duplo sentido: (i) o da reorientação da diplomacia estadual para atividades que podem ser qualificadas como diplomacia económica e/ou comercial; (ii) o da crescente relevância de novos atores, nomeadamente das grandes empresas multinacionais, na arena da diplomacia económica (Susan Strange, 1992; Christian Chavagneux, 1999). As raízes desta transformação encontram-se nos anos 70 do século XX, mas o processo intensificou-se com a atual globalização surgida na segunda metade da década de 80. No primeiro sentido apontado, a transformação foi bem captada por Edward Luttwak (2000) nos anos imediatos ao final da Guerra-Fria. Como este assinalou, a geopolítica – e a diplomacia centrada em questões de high politics –, iriam perder relevância nos Estados e zonas desenvolvidas do planeta. No entanto, nas zonas conflituais da periferia subdesenvolvida os instrumentos clássicos do Estado soberano – “o diplomata e o soldado” na expressão clássica de Raymond Aron –, continuriam a ser tão relevantes quanto o foram no passado. Em coerência com a visão realista que lhe está subjacente, Luttwak anteviu uma nova era de competição geoeconómica como dinâmica central das relações internacionais entre o mundo estatocêntrico desenvolvido.

Face às profundas modificações ocorridas nas relações internacionais das últimas décadas, nomeadamente às que decorrem da globalização, o primeiro objetivo deste artigo é fazer uma revisão, ainda que sumária, sobre a literatura teórica mais relevante em matéria de diplomacia económica. Em seguida, o estudo teórico sobre a literatura especializada no assunto será completado com uma abordagem específica ao caso português. Para o efeito, a análise será dividida em duas partes. A primeira vai procurar avaliar em que medida a atividade diplomática – nos dois sentidos anteriormente apontados –, se transformou nas últimas décadas. Não restringirá a análise a uma lógica estatocêntrica, mas incidirá também no papel dos atores não estaduais – especialmente as empresas multinacionais –, crescentemente envolvidos em atividades que podem ser qualificadas de diplomacia económica e/ou comercial. Na segunda parte, a abordagem prosseguirá com um estudo específico sobre o caso português. O principal objetivo será avaliar em que medida as tendências detetadas na literatura teórica, e na prática diplomática de outros Estados, se refletem também nas dinâmicas de (re)organização da diplomacia económica estadual portuguesa. […]

Ler artigo completo na revista Percursos & Ideias.



[1] “[A] closer reading of diplomatic memoirs as well as official documentation, and a deeper dip into diplomatic history, reveals a diplomacy that is multidimensional. These sources indicate that diplomatic activity is primarily concerned with the building of economic and commercial relations and that it is sometimes concerned with political relations. Thus, far from being a departure from traditional diplomacy, the economic and commercial aspects are fundamental to it” (Lee e Hudson, 2004, pp. 349-350).

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